Seria mais um dia como
outros se não fosse o encontro presente com o tempo de outro. A entrada na sala
mobiliada com móveis retrôs, combinado com as obras modernas penduradas na
parede cinza claro e o abajur de baixa luz, fazia-me sentir o tônus rígido de
desgarrar-me de meu tempo e deleitar-me com a possibilidade do tempo do outro.
Tamanha petulância esta, que me tirava o foco daquilo que seria uma mistura de
tempos, que tornariam o momento inédito, que atrairiam sombras de passados, de
mim e do outro, tornando isso que seria inédito, velha experiência, sucumbiria
à imediata prole de fazer do velho algo novo.
Aliás, é necessária a
refração de luz para que as sombras se façam presentes, e naquele momento o que
me atraia era a possibilidade de utilizar da luz baixa do abajur para fazer
sombras. Faltavam ainda cinco minutos para estar sentado a minha frente um
conjunto de vividos, um conjunto de experiências e formas. E ali sentado,
sentindo o peso do meu corpo fazendo pressão sob minhas nádegas, eu aproveitava
a chance de que a luz baixa me oferecia, para perceber as formas de minhas
sombras. Observei os contornos, brinquei de apagar e acender o abajur, e
observei que as sombras continuavam iguais.
Não sei por que cargas
d’água tivera a inocência de achar que ficar parado – com a pressão que estava
sentindo sobre as nádegas – gozando do poder que o botão do abajur me oferecera
de ver sombras, pudesse de algum modo modificá-las ou compreendê-las. Parece-me
óbvio de que na realidade, de inocente não possui nada! Pois, na verdade
apertar o botão não me trazia poder algum, pois eu sabia que ficar parado com a
luz baixa do abajur acesa, faria observar os mesmos contornos das sombras, e
que quando desligado o botão, o que restara na memória era a imagem da projeção
do meu corpo cada vez mais pesado.
Mas, sem saber o que isso significara,
naqueles cincos minutos de espera das sombras do outro, fiz-me perceber quase
que subitamente, que quando o abajur estava desligado, isso não fazia das
sombras que tivera visto um fato, pois, acabara de me dar conta de que as
sombras são maiores quando mantenho o abajur desligado. Perceber meu corpo, com
o tônus cada vez mais rígido, quase que preso na cadeira daquela sala, me fez
ter uma mescla de sensações, duas me era sobressalientes: o medo e o conforto.
Nunca imaginei que
poderia sentir as duas coisas juntas, mas me era cara a ideia de que mesmo sem
a luz baixa do abajur as sombras permanecessem ali – maiores do que nunca – tomando
todo o ambiente, tomava-me, engolia-me sem piedade, e quanta piedade eu
gostaria de ter tido de mim mesmo naquele momento! Por outro lado, a lembrança
do contorno do meu pesado corpo, projetado na parede cinza claro, me trazia a
sensação de que as sombras que me envolviam não eram só minhas, eram de todos
que quisessem desfrutá-las, mesmo que naquele espaço de tempo era eu que me
fazia presente na penumbra silenciosa – que de tão silenciosa escutava seus
barulhos.
Perplexo, de que as
sombras existem para deixar em evidência o corpo pesado, de que o peso do corpo
se conforta quando a penumbra é maior, justamente por não deixar em evidência
suas sombras projetadas, criadas pelo peso sobre as nádegas. Os cinco minutos
passaram. E quando percebi, estavam em minha frente outras formas de sombras –
a sombra do outro que esperava deleitar-me. Foi impressionante ao observar que
o corpo do outro, tão pesado quanto o meu! Tinha um contorno de sombra com cor
idêntica àquela de meu corpo sentado que teimava em pressionar minhas nádegas.
A luz do abajur começou a piscar, e as sombras
pareciam sumir e voltar rapidamente, a lâmpada apagou-se como se quisesse
afirmar que de nada adiantara ter tido a inocente sensação do poder ao apertar
o botão – a luz cessou. O inédito obrigou-me, mesmo por breves minutos, ficar
com a sensação de duas sombras de corpos pesados mesclados na penumbra
agigantada. Fiquei imaginando que quando a luz voltasse, as sombras estariam
abraçadas com piedades das nádegas esmagadas, que pareciam cada vez mais
sustentar o peso de todas as sombras juntas, as minhas, do outro e de outros
tantos. Mas, quando a luz voltou, os contornos conhecidos apareceram de um
jeito diferente, pois os corpos não tendo como sustentar o peso de duas sombras
abraçadas – sobre as nádegas – mudaram de posição. Entendi para que serve a
penumbra e a refração da luz sobre os corpos...
27/11/14